O que faltava em mim (Primeira parte)







Oito horas da manhã. Acordei estranha. Sensação estranha. Era eu, era em mim. Senti uma angústia inexplicável. Um aperto no peito que dava medo. Minha cabeça pesava e não sentia motivação alguma para levantar da cama. Foi o que eu fiz, fiquei ali. Jogada. Nove, dez, onze horas. Muito embora fosse o desejo de qualquer pessoa, depois de uma semana exaustiva, acordar tarde naquele sábado nublado não parecia ser o que realmente me faria bem. Eu queria aproveitar o dia logo cedo. Dizia em pensamento para mim mesma, vai! Levanta! Mas minha voz interna estava fraca e meu corpo permanecia desobediente. Covardemente desobediente. Amolecia e parecia cada vez mais pesado. Grudava na cama. O aperto no peito aumentava a ponto de causar pavor. Sim, acho que era isso que eu sentia, pavor. Como uma menininha solitária sabendo que ninguém mais poderia fazer nada para ajudar.

Inesperadamente comecei a chorar. Senti falta de proteção. Acolhimento. Sabia o que sentia, só não entendia o porquê. Sem compreensão própria, resolvi ficar encoberta pelo edredom. Comecei a sentir-me estúpida. Como pode isso? Acordar triste, frágil, desanimada. Irreconhecível para mim mesma. Se batessem na minha porta, e na tentativa de ajudar, perguntassem o que havia acontecido, minha resposta já estava na ponta da língua: Nada, não aconteceu nada. Realmente não lembrava de nada em específico que pudesse ter me deixado em um estado tão vulnerável. Parecia ser de tudo um pouco. Apenas me sentia assim. Fora de orbita.



Com muita força de vontade consegui sentar na cama e planejar todo o trajeto até ao banheiro. Precisava lavar o rosto que já estava inchado de tanto chorar. Choramingar. Nesse momento, enquanto limpava as lágrimas que não cessavam de cair, reparei no esmalte descascado das unhas que, naquele momento, faziam-me sentir péssima. Duvidei da minha beleza olhando para minhas mãos. Pode isso?

Fiquei de pé. Não dava mais para permanecer ali em estado semivegetativo. A angústia agora parecia descer para o estômago como um gole de whisky barato e morno. Senti enjoo ao lembrar dos espelhos no banheiro. Sair daquele quarto começava a parecer uma péssima ideia, e confrontar minha imagem a pior das opções. Não queria observar-me, sabia que iria odiar isso. Ali sozinha, a covardia dava lugar a uma vontade confusa de culpar alguém. Culpar a mim mesma. Desejo louco!

Enfrentei o espelho, e enquanto escovava os dentes, percebi uma voz interior, que antes baixinha, ia ficando cada vez mais forte. De um sussurro passou a voz de comando. Que cara mais feia! Precisa cuidar desse cabelo! Gorda! Gorda! Não vai perder essa barriguinha nunca! Que olheira horrorosa! Você está um lixo! É por isso que ninguém olha para você! Todo mundo vai saber que você é fraca, maquie logo essa cara feia! Você é tão solitária!

Resisti aos meus próprios insultos, mas voltei a chorar. Sentir as lágrimas escorrerem pelo meu rosto parecia trazer alívio, mas elas também traziam lembranças de várias outras tristezas ligadas a problemas que eu nunca resolvi. Incapacidade, impotência, vergonha, fraqueza, humilhação, solidão. Tantas lembranças fizeram-me perceber que nada disso era novo, e que embora fosse outro dia, e outro dia, e outro dia, todas as manhãs eu sentia a mesma coisa. Às vezes com lágrimas, às vezes sem elas.

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Eu cometia um crime contra mim mesma, e se não bastasse, julgava-me, condenava-me, e punia-me. Não aceitava ser quem eu era. Mas quem eu queria ser? Sabia apenas que detestava ser eu mesma, estar onde eu estava e fazer o que eu fazia. Eu simplesmente me julgava incapaz de lidar com meus problemas. E meus problemas pareciam concentra-se no fato de eu existir.

Diziam que eu era bonita. Eu, na melhor das hipóteses, achava-me “normalzinha”. Um tipo de mulher tão comum que nenhum homem teria o prazer de prender o olhar. Pelo menos era assim que eu pensava. Preferia não me relacionar seriamente para não ser rejeitada logo em seguida. Aprendi então a entregar-me tão logo percebesse que sem sexo, homem nenhum passaria mais de algumas horas ao meu lado. Vendi meu corpo por migalhas de atenção. Prostituí meu amor-próprio e por isso mesmo me odiava. Não era questão de orgulho, eu apenas não queria que fosse assim.

(Continua...)

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